Tridandisvami Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Maharaja
Perth, Austrália: 27 de Dezembro, 1998
[Este discurso foi dado no dia do aparecimento de Srila Jiva Gosvami. Naquele dia, novos convidados estavam presentes para ouvir Srila Narayana Maharaja falar. Srila Narayana Maharaja explicou no começo de sua aula que para o benefício dos convidados, ele deveria primeiro discutir as declarações de Srila Jiva Gosvami considerando uma introdução à Consciência de Krsna. Portanto, sinta-se livre para mostrar aos seus amigos e parentes que ainda não são familiares com os princípios da Consciência de Krsna:]
Neste mundo nós confiamos em várias pessoas. No mundo transcendental – nos outros mundos, em relação a questões transcendentais – em quem devemos confiar? Nós não podemos ver o mundo transcendental com nossos olhos, e não podemos tocá-lo com nenhum de nossos sentidos. Então como podemos ter alguma ideia do mundo transcendental e como podemos decidir quem é a Suprema Personalidade de Deus? Nós vemos o corpo, mas não vemos a alma.
Como podemos acreditar que há um Deus do qual essa criação veio, e que Ele está controlando o mundo todo? Nós não podemos controlar o mundo, e não podemos ver nossa alma. Mesmo assim, Deus está aqui nesse mundo, e nós não O vemos.
Srila Jiva Gosvami explicou que todos os nossos sentidos são imperfeitos. Portanto não podemos confiar nas informações dadas por nossos sentidos a respeito de qualquer coisa que vemos. Nossos olhos não podem ver nossos próprios olhos e nem podem ver o que está dentro do nosso corpo. Nossos olhos não podem ver a alma que está dentro do corpo. Nossos sentidos materiais possuem certo poder, mas são limitados. Portanto, especialmente em relação à questões transcendentais, nós não podemos confiar nos nossos sentidos.
Nós vemos que muitas pessoas nascem todos os dias, e milhares e milhares morrem diariamente. Quem está controlando isso? As ondas do mar vem periodicamente, o sol nasce na mesma hora, e os novos dias vem regularmente, no tempo certo. Então tudo é controlado. Nós não estamos controlando isso, então, quem está?
Deus é chamado o Criador : [usando a palavra GOD, que significa Deus, Gurudeva explicou cada uma de suas letras:] G-Gerador, O – Operador, e D – Destruidor deste mundo. Nós não O vemos, então qual é a prova de que há um Deus? Esses sentidos não podem nos ajudar no que diz respeito a questões materiais. Nossa visão, tato e todos as nossas informações sensórias são defeituosas.
Srila Jiva Gosvami declara que apenas palavras transcendentais podem ser de confiança. Elas podem mostrar o real caminho, e o que elas dizem é a verdade. Essas palavras transcendentais foram discutidas nos Vedas (as mais antigas de todas as escrituras reveladas), Upanisads, e especialmente no Srimad-Bhagavatam. O conhecimento transcendental está presente nessas escrituras, então devemos confiar nas palavras dos Vedas.
Suponha que um homem diga que podemos confiar no que podemos ver. Ele pode dizer, “Não podemos crer em nada que não podemos ver.” Mas há muitas coisas nas quais acreditamos e que estão além do nosso poder de visão.
Certa vez, quando meu Gurudeva estava em um trem comigo, um policial o abordou e perguntou, “Você acredita em Deus?”
Guru Maharaja respondeu, “Sim.”
O policial disse, “Por quê? Eu não creio em Deus por que eu não posso vê-Lo. Só posso acreditar em alguma coisa se meus olhos a virem.”
Gurudeva imediatamente respondeu, “Isso não é verdade. Você acredita em muitas coisas que não viu. Você pode dizer quem é seu pai?”
O oficial disse, “Sim,” e contou o nome do seu pai.
Gurudeva perguntou, “Como você sabe que essa pessoa é seu pai? Você tem alguma prova?”
O policial começou a olhar para os lados, realizando que não possuía nenhuma prova. Na época em que os pais dele se encontraram, ele não havia nascido, então ele não tinha visto seu pai. A mãe dele disse, “Ele é seu pai.” Com essa prova ele pôde dizer, “Ele é meu pai.” Se a mãe dele tiver mentido, não temos nenhum outro recurso. Nós acreditamos que a mãe não mentirá.
As palavras dos Vedas são mais confiáveis do que as de nossa mãe, pai, ou qualquer outro. Uma mãe pode mentir, mas palavras transcendentais não podem contar mentiras. Tudo foi contado nos Vedas, especialmente no Srimad-Bhagavatam, então ele é a suprema evidência. Algumas vezes nós podemos apenas especular sobre o que os olhos estão vendo, mas se os olhos vêem de acordo com os Vedas – se eles seguem as palavras dos Vedas– então pode haver confiança, De outra maneira, você não pode acreditar neles. Por exemplo, de uma grande distância podemos ver alguém vindo, e pensamos que essa pessoa é nosso pai. Mas então, quando chega mais perto, podemos ver que na verdade a pessoa não é nosso pai, mas alguém que se parece com ele. Então, os olhos não são evidências. O Srimad-Bhagavatam é a evidência, assim como os Vedas e Upanisads.
Então o policial perguntou, “Quem é Deus?”
Gurudeva respondeu, “Krsna é a Suprema Personalidade de Deus.”
O policial perguntou , “Por que?”
Guru Maharaja disse, “Em algum lugar, é dito que Deus não tem forma, atributos, e qualidades; mas os Vedas nos dizem que Ele possui forma e muitas qualidades.
Se Deus não tem forma, então de onde esse mundo veio? O mundo está cheio de variadas formas. ‘Alguma coisa’ não pode vir do ‘nada’. Portanto Deus deve ter uma forma, e Sua forma é a mais bela. Não há ninguém tão belo quanto Ele. Krsna possui todas as variedades de boas qualidades. Por exemplo, Ele é muito misericordioso. Se Ele não fosse misericordioso, como Ele poderia conhecer nossas dificuldades, pesares e sofrimentos, como Ele poderia nos ajudar? Deus é a personificação do amor e da afeição. Se Ele não fosse, então qual seria a utilidade de tal Deus? Se Ele não pudesse nos ajudar nos nossos problemas e nos amar, então qual seria a utilidade desse Deus? Não haveria utilidade. Deus pode criar e regular tudo e destruir o mundo inteiro em um momento, e Ele pode criar milhões de mundos, sóis, e luas em um segundo. Portanto, Ele deve ser muito poderoso. Não podemos fazer como Ele faz.
Srila Jiva Gosvami nos diz que: não somos este corpo, somos a alma dentro deste corpo. Nós estamos aprisionados; numa gaiola. Embora não desejemos envelhecer e morrer, estamos fadados a ficar velhos – se não morrermos enquanto jovens. Nosso cabelo ficará branco, nossa visão se enfraquecerá e chegará o dia em que não seremos capazes de andar sem uma bengala. Então, um dia teremos que deixar este corpo.
Dentro deste corpo há um ser transcendental que nunca nasceu, que não fica velho e não morre. Ele nunca se torna uma criança, um jovem ou uma pessoa velha. Ele é o controlador do mundo inteiro e de todas as outras almas. Ele é Deus. Ele nunca morre. Ele nunca muda Sua posição. Ele é todo-poderoso, Ele conhece o passado, presente e futuro. Ele é onisciente. Ele pode fazer tudo o que quiser, e Ele é também muito misericordioso – possui misericórdia sem causa.
Srila Jiva Gosvami explicou que Deus é onipotente. Todos os poderes ou potências são eternamente envergadas dentro Dele.
Quando Ele está com Sua potência interna intrínseca (svarupa-sakti) – com o poder que vive dentro Dele, Ele pode criar milhões de mundos, Ele pode brincar em qualquer lugar e fazer qualquer coisa. Esta svarupa-sakti é chamada também de antaranga-sakti (potência interna). Pelo arranjo desta svarupa-sakti e todas as Suas qualidades, Ele manifesta as porções plenárias Dele mesmo, e tais expansões são chamadas svamsa. Svamsa significa ‘expansão plenária’ e alguns exemplos dessas expansões plenárias ou encarnações são Rama, Balarama, e Nrsingha.
Quando Ele está com sua energia marginal (tatastha-sakti), esta parte Dele é chamada de vibhinamsa-jiva, ou alma dentro de nós.
Nós somos partes e parcelas de Deus, mas agora nos esquecemos Dele, e é por isso que outra de Suas potências, maya, nos trouxe para este mundo e cobriu nossas almas. Nós esquecemos quem somos nós e quem é Deus, e estamos agora em uma interminável corrente de nascimentos, mortes, pesar e sofrimento. Por causa desse esquecimento, ninguém neste mundo é feliz. Nós não estamos servindo Deus ou desejando Sua misericórdia, e não estamos saindo de Sua potência ilusória, maya. É por isso que estamos sempre sofrendo.
Neste mundo você pode verificar que até mesmo imperadores, minístros-chefes e presidentes estão sofrendo. Até mesmo se você tem alguma felicidade na juventude, ainda assim há alguns problemas. Algum dia nós deixaremos este corpo, com certeza. Mesmo se não formos capazes de dizer se Deus é real ou não, nós podemos muito facilmente dizer que a morte é real. Ninguém pode negar isso – mesmo as pessoas que não acreditam em Deus. Todos estão fadados a dizer, “A morte é certa”. Todos os sofrimentos são reais, mas não sabemos por que sofremos. Nós somos como animais – sempre brigando, comendo, acasalando ou se defendendo. Nós pensamos que seremos felizes com isso, mas não podemos.
Srila Jiva Gosvami nos conta que todos aqueles em todas as espécies, como humanos, semideuses, animais, pássaros, árvores, rastejantes – aqueles que tem sensação de tristeza ou felicidade – todos são almas como nós, embora as outras espécies sejam de alguma forma mais encobertas pelos modos materiais da natureza.
Dentre todas as espécies, um corpo humano tem qualidades especiais. Se alguém te chama, você ouve e vai. Você pode ver seu futuro. Animais não podem ver o futuro deles. Ou, podem ver apenas um pouco.
Alguns animais, como macacos, burros, e vacas podem ver seu futuro próximo; não mais que isso. Suponha que muitas vacas ou cabras estejam sendo levadas a um matadouro. Quando elas se aproximam do momento da morte, se você lhes der grama, elas irão brigar por ela: “Eu vou comer!” “Não, eu vou!” Elas não podem entender que estão quase chegando no matadouro. Neste corpo humano, podemos pensar sobre essas coisas. Nós podemos pensar além do futuro.
Pensando no futuro alguns humanos fabricam bombas. Eles pensam, “Destruiremos os outros e os controlaremos, então seremos felizes.” Outros estão pensando, “Não, isso não nos fará felizes.” Como podemos nos tornar felizes? Apenas realizando que somos almas espirituais, realizando de onde viemos, e aonde devemos ir depois da morte.
Podemos imaginar por que uma pessoa toma nascimento como filha ou filho de um primeiro ministro da Austrália e, na próxima hora, alguém nasce numa família muito pobre. Por que um nasce bonito e outro aleijado? Por que um determinado homem pobre irá mais tarde se tornar o primeiro ministro ou presidente? Um sábio, inteligente homem realiza as razões e portanto esta forma humana é suprema dentre todas as espécies. Neste corpo humano, se não pensamos em tópicos como: “Por que estou sofrendo?” “Por que estou indo na direção da morte?” “Quem sou eu ?” e “Quem é Deus?” então não somos melhores que um animal de duas patas. Neste caso, não há diferença entre o nascimento de um humano ou de um animal.
Srila Jiva Gosvami explicou que todos os humanos, árvores, rastejantes e animais têm alguma gratificação dos sentidos e todos tem amor e afeição. Suponha que docemente você chame um cachorro, “Venha aqui, venha aqui”, e mostre amor a ele, ele virá balançando seu rabo. Se há amor em você e você mostra e sente esse amor, então se até mesmo um tigre ou um leão vier, eles não serão ferozes. Em todos os lugares há amor – até nas árvores. Elas também tem sentimentos.
Nossa religião é o amor e a afeição, e Deus é a encarnação do amor e da afeição. Ele é muito misericordioso e tem todos os tipos de poderes. Nós somos Suas partes e parcelas. Se você realizar esse fato, certamente escapará da corrente do pesar e do sofrimento. Isso é bhakti-yoga.
Se você praticar bhakti-yoga, a manutenção da sua vida e família automaticamente virá, do karma de nascimentos anteriores. Faça o teste. Se você sentar no seu quarto por sete ou oito dias, ou um mês, cantando, “Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna Krsna, Hare Hare, Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare,” você verá que está sendo mantido, mesmo que não esteja fazendo nada para isso. Mesmo depois de cem anos, até a morte, todas as suas necessidades virão. Você deve confiar neste princípio. Enquanto estamos nessa forma humana de vida, devemos tentar saber quem realmente somos.
Há pessoas nesse mundo que conhecem essas coisas, que tem realização da alma e de Deus e que tem uma conexão com Deus. Por sua própria prática, eles te mostram esse caminho, e pelo caminho da prática, você também pode ter realização. Tal professor é chamado acharya, guru, ou mestre espiritual sagrado. Tal guru nunca cairá. Devemos tentar nos associar com ele.
O mestre espiritual de Srila Jiva Gosvam, Srila Rupa Gosvami, escreveu que podemos atingir a perfeição neste corpo humano.
adau sraddha tatah sadhu-
sango ‘tha bhajana-kriya
tato ‘nartha-nivrttih syat
tato nistha rucis tatah
athasaktis tato bhavas
tatah premabhyudancati
sadhakanam ayam premnah
pradurbhave bhavet kramah
[“No começo deve-se ter um desejo preliminar por auto-realização. Isso trará a pessoa ao estágio de tentar se associar com pessoas espiritualmente elevadas. Neste próximo estágio a pessoa toma iniciação de um mestre espiritual elevado e sob sua instrução o devoto neófito começa o processo de serviço devocional. Pela execução do serviço devocional sob a guia do mestre espiritual, a pessoa torna-se livre de todos os apegos materiais, obtém constância na auto-realização e adquire gosto por ouvir sobre a Suprema Personalidade de Deus, Sri Krsna. Esse gosto leva ao apego pela Consciência de Krsna, que é amadurecido em bhava, ou o estágio preliminar de amor transcendental de Deus. Amor real por Deus é chamado prema, o mais elevado estágio de perfeição.” (Bhakti-rasamrta-sindhu 1.4.15-16)]
Há um Deus, e nós somos partes e parcelas de Deus, e devemos servir Deus. O desejo ou tendência de servir Deus é chamado sraddha e isso vem através da associação de um devoto puro. Se desejamos servir Deus, mas depois de algum tempo não temos associação de devotos elevados, esse desejo secará. Isso está acontecendo hoje em dia. Nós vemos muitos devotos que tinham sraddha, e depois disso tomaram iniciação e se engajaram no serviço devocional (bhajana-kriya) e bhajana-sadhana (ouvir, cantar sobre e lembrar do Senhor Supremo). Entretanto, por não haver boa associação, a sraddha deles começou a secar. Embora eles tivessem se aproximando do estágio de devotos de segunda classe ou intermediários (madhyama-adhikari), e até terem entrado na ordem brahmacarya e então a renunciaram – desse ponto eles começaram a cair. Eles podem ser comparados a uma árvore; depois dos brotos desenvolverem algumas folhas, por não receber água, ela morrerá. Portanto devemos sempre tentar estar em boa associação.
Nenhuma sociedade mundana pode dar Verdade. Entretanto, se em uma sociedade há bons pregadores como Srila Bhaktivedanta Svami Maharaja ou Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakura Prabhupada, nós podemos nos associar com eles. Depois que eles deixaram este mundo, a linha discipular de preceptores espirituais ainda ficou lá; mas os assim chamados seguidores não são seguidores verdadeiros. Eles estão desejosos pela árvore do W (wealth, women, and wine, que significam respectivamente riqueza, mulheres e vinho) e certamente eles cairão.
Devemos tentar seguir todos os princípios da devoção e gradualmente praticar bhakti-yoga. Se não estamos praticando bhakti-yoga, somos como porcos ou asnos. Agora você vê que pelo mundo a fora líderes e outros estão discutindo entre si como animais. Animais lutam com unhas e dentes, mas esse animais de duas patas criam bombas atômicas e destroem milhares de vidas. Eles são mais selvagens que animais. Eles não podem controlar seus sentidos, mas querem controlar o mundo todo.
De algum modo mantendo nossas vidas, devemos portanto tentar seguir a doutrina da Consciência de Krsna e ser feliz para sempre. Devemos tentar fazer isso. Srila Jiva Gosvami explicou que existem três reinos. Um é o mundo transcendental, outro são as inumeráveis almas e outro são os milhões de mundos materiais. Tudo está além da matéria no mundo transcendental. Lá não há nascimento, morte ou sofrimento.
Há dois tipos de almas.Um tipo pertence àqueles que são liberados e servem Deus no mundo transcendental de Vaikuntha (os planetas espirituais onde não há ansiedade); e todas são felizes lá. O outro tipo de almas são aquelas que se esqueceram Deus, e são chamadas almas condicionadas. Nós somos almas condicionadas. Nossas almas são cobertas com elementos mundanos como terra, água, fogo, ar e éter. Nossos corpos consistem nesses cinco elementos. Quando alguém morre, ao queimar ou colocar o corpo numa cova, os cinco elementos do corpo voltam às suas formas originais. Mas a alma nunca morre ou nasce.
As almas são de certas maneira iguais e de certa maneira diferentes de Deus. Assim como Deus possui um belíssimo corpo e muitos poderes, as almas possuem belos corpos e muitas boas qualidades. A diferença entre Deus e as almas é que Deus é infinito, enquanto as almas são infinitesimais. As pequenas almas não podem criar mundos e não podem controlar, mas Deus pode controlar tudo. Ele é o mestre de maya (a energia ilusória desse mundo). Nós almas passamos por muitas mudanças, mas o Senhor Supremo e Suas variadas encarnações estão além de maya. Eles não ficam sob o controle a energia ilusória maya, nem ficam infelizes.
Almas condicionadas, aquelas que esqueceram a Suprema Personalidade de Deus e usam de forma errada sua independência, vem para esse mundo pensando, “Eu sou este corpo, eu faço todas as coisas, eu sou o controlador, eu sou o desfrutador.” Estes são os sintomas de almas condicionadas. O mundo é feito de cinco elementos; terra, ar, fogo, água e éter. Todas as almas vieram da Suprema Personalidade de Deus, Krsna, e este mundo também foi emanado do Seu poder.
Há dois tipos de poderes: svarupa sakti ou Yogamaya; e Mahamaya. Durga e Kali são as personalidades de Mahamaya. Elas podem criar esse mundo, mas não podem criar almas. Almas são eternas; elas são como Deus nesse aspecto. As almas são eternas, mas quando se esquecem da Suprema Personalidade de Deus e desejam sua própria felicidade, elas pensam, “Eu posso fazer isso e aquilo.” Elas não admitem que precisam de Deus, e nesse momento maya as pega. Desta forma, há uma certa diferença e uma não-diferença entre Deus e as almas.
Esse mundo também foi emanado de Sua maya ilusória, então o mundo também é diferente e não-diferente Dele. As antigas escrituras Védicas declaram: Sakti-saktimator abhedah – não há diferença entre o potente e a potência. Essa filosofia chama-se acintya-bhedabheda tattva, ou ‘inconcebível, simultânea diferença e não-diferença’.
Srila Jiva Gosvami explicou muito bem esses princípios. Nenhum outro acharya, nem mesmo Ramanujacarya ou Madhavacarya, foram capazes de dar tais explicações. Como Jiva Gosvami realizou esses tópicos? Ele conseguir pela misericórdia de Sri Caitanya Mahaprabhu, que é Krsna, a própria Suprema Personalidade de Deus, na forma de um Guru nesse mundo. Mahaprabhu explicou esses ensinamentos a Sarvabhauma Bhattacarya, e Srila Jiva Gosvami os aprendeu do discípulo de Srila Sarvabhauma Bhattacarya, Madhusudana Vacaspati. Ele também estudou várias escrituras Védicas, depois das quais ele compeliu o Sat-Sandarbha. Nele, ele explicou todas essas verdades filosóficas. Nós não podemos conhecer essas verdades apenas lendo esses livros. Devemos ouvir todos esses tópicos de um devoto puro.
Srila Jiva Gosvami também explicou que nós não podemos realizar a Suprema Personalidade de Deus ou nossa própria alma através do conhecimento mundano, através de qualquer conhecimento, através de uma yoga como astanga-yoga, através de austeridades, ou fazendo doações. Apenas pela prática da pura bhakti-yoga podemos conhecê-las.
Você deve compreender que se Deus não possuísse forma, esse mundo e todas as almas não poderiam existir. Isso é dito na Bíblia – não apenas em escrituras indianas – Deus criou os homens à Sua própria imagem. Se Deus não possuísse um molde ou forma, então como Ele poderia criar corpos humanos? Isso não é declarado somente nas escrituras indianas ou na Bíblia, mas também no Corão: “Inallah kalaka mein suratihi – Hoda (ou Alá) criou o corpo humano similarmente à Sua própria forma.” Se não fosse assim, então por que isso teria sido escrito no Corão? Deus possui uma forma e Ele é muito misericordioso. Nós devemos confiar Nele.
Nós podemos nos apegar a Deus através de bhakti-yoga, visto que não podemos fazer isso através do conhecimento. Podemos entender isso com um exemplo, “Bebendo água podemos saciar nossa sede.” Se não bebermos a água, nossa sede não acabará simplesmente por termos esse conhecimento. Nós devemos beber um copo de água, e então nossa sede passará. Suponha que você esteja com fome; você precisa de comida. Eu te direi que comendo chapatis, arroz, pão, manteiga e alguns doces, sua fome passará. Eu estou dizendo isso, mas somente o conhecimento não te dará comida. Então, o conhecimento por si só não faz nada. Bhakti é um atividade prática, e praticando-a, você realizará todo o conhecimento.
O que é bhakti? Em seu começo, ela é chamada sadhana-bhakti, e depois se torna bhava-bhakti. Então, quando atinge seu puro estado, sua própria forma constitucional, é chamada de prema-bhakti.
Todos temos certa afeição e amor em nós. Se belos jovens, uma bela menina e um belo menino se vêem, eles vão querer amar um ao outro. Depois disso eles se casarão. Então, depois de algum tempo de casamento eles vão brigar, se divorciarão e tentarão satisfazer seus desejos novamente com uma nova esposa e um novo marido.
Se não estamos felizes em nossa vida de casados, podemos ter um cachorro. Nós dizemos, “Podemos confiar em cachorros.” Esposas e esposos podem se divorciar de nós, mas cachorros não se divorciam. Então pensamos que podemos confiar em cães. Entretanto, vemos que nosso cachorro está morto. Então não há nada nesse mundo que podemos efetivamente amar. O único objeto de amor é Deus. Nós somos asraya, a residência desse amor, mas agora nosso amor é impuro e egoísta. Nós amamos nossa belíssima esposa – se ela nos servir e obedecer. Se ela tiver uma conta bancária no próprio nome, se ela estiver sempre discutindo, e se ela estiver apaixonada por outra pessoa, ficaremos desapontados.
Neste corpo, nosso amor e afeição não é puro. Eles são amalgamados com egoísmo. Porém, cantando os santos nomes de Deus, regularmente ouvindo sobre Ele e se associando com Vaisnavas realizados (devotos de Krsna), esses devotos nos contarão algo sobre o processo de bhakti-yoga e como podemos desenvolver esse amor e afeição por Deus. Os Vaisnavas são as únicas pessoas realmente felizes. Eles sabem o que é esse mundo. Eles não tem apego por esse corpo. De algum modo eles mantém suas vidas, eles sempre cantam, lembram e meditam em Deus.
A prática de bhakti-yoga é chamada de sadhana. Quando o amor e afeição transcendentais vêm através de tais práticas, mas em uma forma crua, com a mente e inteligência no modo da pura bondade (sattva), isso se chama bhava-bhakti. Em bhava-bhakti, uma alma pode de certa forma realizar Krsna-prema, assim como o caminho no qual ela pode servir Krsna. Então, depois de algum tempo, prema se manifestará.
Prema (amor puro de Deus) geralmente é um, mas é dividido em cinco seções: santa, sakhya, vatsalya e madhurya. Santa significa amor e afeição por Deus sem nenhuma especialidade de serviço. Em santa-rasa pensa-se, ” Deus é grande e somos Suas pequenas partes e parcelas. Devemos prestar reverências a Ele. Ele é muito misericordioso.” Santa-rasa é presente quando não há apego mundano. Se os desejos mundanos estão presentes, então não podemos ter santa-rasa. Santa-rasa pode vir depois da liberação como foi no caso dos quatro Kumaras, Sanak, Sanandana, Sanatana e Sanata Kumara. Eles não tinham apego mundano, mas não possuíam nenhum tipo de amor e afeição especiais por Deus.
O próximo humor é dasya-rasa, servir Deus como sendo nosso mestre. Um devoto em dasya-rasa pensa sobre Krsna assim: “Você é meu mestre. Você é a raiz do universo inteiro, de sua criação e destruição.” Além disso, em dasya-rasa há serviço, como no caso de Hanumam, que está no humor de ‘servo’. Podemos servir Deus assim.
O outro humor é sakhya-rasa, servir Krsna como um amigo. Um devoto em sakhya-rasa pensa: “Deus é meu amigo.” Se você pensa dessa forma, você pode ter Deus como seu amigo e serví-Lo como amigo. Há dois tipos de amigos; amigos em Ayodhya ( a residência da expansão de Sri Krsna, o Senhor Rama) e amigos em Vraja (a residência do próprio Krsna). Amigos em Ayodhya têm amizade, mas possuem certa reverência pensando, “Deus é superior a mim.” Os associados de Senhor Rama, como Sugriva, Laksmana e Sita estão neste grupo. Sri Krsna tem amigos em Vraja, mas esses amigos são amigos íntimos. Krsna e Seus amigos sempre mostram amor entre si no mesmo nível. Eles podem dormir na mesma cama. Eles podem comer e dividir sua comida com Krsna, e Krsna come e então compartilha Seus remanentes com eles. Eles não pensam que Krsna é Deus. Isso é algo muito doce.
![]() |
Mãe Yashoda, servindo a seu filho Krishna em vatsalya-rasa. |
Também pode-se pensar, “Krsna é meu filho.” “Deus é meu filho.” [Em Vraja, os pais de Krsna não sabem que Deus é Deus. Eles apenas O conhecem como seu filho.] Esse relacionamento (vatsalya-rasa) é superior até mesmo aos relacionamentos que eu previamente descrevi. Se víssemos Deus como nosso pai, não seria a mesma coisa, por que é o pai que serve o filho. O filho não serve o pai. Se queremos servir Deus no humor paternal, podemos serví-Lo como sendo Seus próprios pais. O pai colocará seu filho no colo, o abraçará e dará a ele muitas coisas doces. Até mesmo quando o pai fica velho, ele continua servindo seu filho.
Não devemos pensar que a Suprema Personalidade de Deus é nosso pai. Essa ideia opõe nosso desejo por serviço amoroso, por que se Deus fosse nosso pai, Ele nos serviria. Nós dizemos ao nosso pai, “Ó pai, me dê água, mê de pão e manteiga.” Por outro lado, se pensarmos que Deus é nosso filho, então podemos serví-lo. Este humor é chamado de vatsalya-bhava – paternal ou maternal. Ele é mais doce que amizade.
Superior a vatsalya-rasa é madhurya-rasa (amor conjugal). Madhurya-rasa é dividido em dois humores separados. As mulheres casadas com Krsna como marido, com mantras Védicos e pela lei, são svakiya-bhava. Exemplos desse relacionamento são Rukmini e Satyabhama. As mulheres no outro humor, amor de amantes (parakiya-bhava), não possuem uma causa para seu relacionamento amoroso que não seja apenas amor e afeição. O supremo estágio de amor delas não depende se são ou não casadas. As gopis de Vraja são um exemplo disso.
Nessa conexão, havia muitas diferenças de opinião entre os sampradaya acaryas como Ramanujacarya, Madhvacarya, Visnusvami, Nimbaditya e Vallabhacarya. Eles não aceitavam o amor das gopis de Vraja. Eles aceitavam apenas o amor daquelas que eram casadas com Krsna – o amor de Rukmini e Satyabhama..
Em Vraja, as gopis não são casadas com Krsna, mas elas sempre pensam no seu amor por Ele no humor parakiya. Externamente casadas com outros, do nascimento e para sempre, as gopis sempre pensam em Krsna como seu amado. Sri Caitanya Mahaprabhu e os devotos puros na linha Dele, como Sri Madhavendra Puri, Sri Isvarapuri-pada e outros como eles, trouxeram esse conhecimento de parakiya-rasa de Goloka Vrndavana. A outra sampradaya de acaryas não o aceitam.
No tempo de Srila Jiva Gosvami, ele tinha dois tipos de seguidores: aqueles que queriam seguir o humor que Deus pode ser nosso amado, e aqueles na outra seção que consideravam que apenas o amor marital era bom. Aqueles do segundo grupo pensavam, “Krsna é a Suprema Personalidade de Deus. Como Ele pode transgredir as regras do sastra (as escrituras)? Eu não posso aceitar isso. Ele não faria tal coisa.”
Esses eram os dois tipos de discípulos de Srila Jiva Gosvami.
Sri Krsna veio na forma de Sri Caitanya Mahaprabhu, adotando o belo e intrínseco humor de Srimati Radhika. Nessa forma, Ele pregou neste mundo através do kirtana, o cantar dos santos nomes de Deus: “Hare Krsna Hare Krsna Krsna Krsna Hare Hare, Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare.” Sri Caitanya Mahaprabhu fundamentalmente veio para ensinar o caminho da devoção espontânea (raganuga-bhakti). Para os discípulos que eram Vaishnavas de alta classe seguindo raganuga-bhakti, Srila Jiva Gosvami escreveu um tipo de literatura, e para o outro grupo, escreveu outro. Ele queria gradualmente trazer aqueles do segundo grupo para o estágio de entendimento do humor de amantes, o amor ente Krsna e as gopis.
Depois do desaparecimento de Jiva Goswami, havia uma disputa entre seus discípulos para saber se svakiya-bhava ou parakiya-bhava era superior. Eles viram diferenças entre os dois, embora não houvesse nenhuma. Jiva Gosvami ensinou o humor svakiya do ângulo de tattva (verdade filosófica). Por consideração filosófica, tudo e todos vieram de Krsna, então não há ninguém que seja parakiya (pertencente a outro). As gopis são manifestações de Sua svarupa-sakti, Srimati Radhika. Elas são não-diferentes de Srimati Radhika. Então nesse sentido não há parakiya – todos são svakiya. *[Ver Nota 1]
Srila Visvantha Cakravarti Thakura e Srila Raghunatha dasa Gosvami aceitaram e explicaram parakiya através de lila (passatempos) ou por rasa-tattva, a consideração de doçuras transcendentais. Então, ambos estão corretos. Jiva Gosvami aceitou a declaração do Srimad-Bhagavatam abaixo, e isso também foi explicado por Rupa Gosvami:
pati-sutanvaya-bhratr-bandhavan
ativilanghya te ‘nty acyutagataù
gati-vidas tavodgita-mohitah
kitava yositah kas tyajen nisi
[Querido Acyuta, Você sabe muito bem por que viemos aqui. Quem mais que um trapaceiro como Você abandonaria jovens mulheres no meio da noite, encantadas pelo alto som de Sua flauta? Apenas para ver Você, nós rejeitamos completamente nossos maridos, filhos, ancestrais, irmãos e outros parentes. (Gopi-gita verso 16)]
na paraye ‘ham niravadya-samyujam
sva-sadhu-krtyam vibudhayusapi vah
ya mabhajan durjara-geha-srnkhalah
samvrscya tad vah pratiyatu sadhuna
“Eu não sou capaz de retribuir Meu débito pelo seu serviço imaculado, nem mesmo com o tempo de uma vida de Brahma. Sua conexão Comigo está além da reciprocidade. Vocês Me adoraram, desistindo de todos os laços domésticos, que são extremamente difíceis de se quebrar. Portanto que seus próprios atos gloriosos sejam suas compensações.” (Srimad-Bhagavatam, 10.32.22)]
O humor de parakiya é muito distinto e proeminente em muitos versos do Srimad-Bhagavatam. Deve haver parakiya em Goloka Vrndavana, de outro modo, como poderia ser manifestada a prakata-lila (os passatempos que são manifestados nesse mundo) em Vraja? Há apenas uma diferença de opinião no pensamento dos discípulos de Jiva Gosvami, mas na verdade não há diferença. Há muitas coisas para explicar, mas agora está tarde.
Devemos adotar bhaki-yoga; é muito fazer de praticar. Você pode cantar o santo nome de Deus de dia ou de noite, não importa se você seja Hindu, Muçulmano ou Cristão, ou de qualquer outra religião. Até os animais podem ouvir quando você canta alto, e eles podem ser liberados também. Você pode cantar o nome de Hare Krsna se for pobre e pode cantar se for rico. Você pode cantar depois de ter tomado banho ou sem ter tomado banho nenhum, com ou sem refeições, sentado ou em pé, ou em qualquer outra condição. Não depende de riqueza ou situação. O Mantra Hare Krsna é a essência de todas as escrituras Védicas. Então devemos tentar cantar, “Hare Krsna Hare Krsna Krsna Krsna Hare Hare, Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare.”
Nós inventamos divisões pensando, “Esta é a Índia, esta é a América, esta é a Austrália,” e fazemos passaportes e vistos. Mas Deus é um sem um segundo. Deus é Um, e podemos cantar para Ele e pedir que Ele seja misericordioso conosco. Este cantar dos santos nomes é o processo supremo de perfeição da vida, então devemos praticar este cantar.
[Nota 1: “Srila Jiva Gosvami e Srila Visvanatha Cakravarti Thakura, em seus comentários do Sri Ujjvala-Nilamani, apresentaram deliberações detalhadas a respeito de svakiya e parakiya. As duas conclusões são apropriadas em suas colocações. A única diferença é o ângulo de visão de cada uma. Srila Jiva Gosvami favoreceu svakiya da perspectiva de tattva, enquanto Srila Visvanatha Cakravarti Thakura sustentou parakiya-bhava do ponto de vista da lila.” (Raga-vartma-candrika, p 93-94)
“É uma verdade estabelecida que as gopis são a svarupa-sakti de Krsna, extensões de Seu poder pessoal; portanto, elas são svakiya de Krsna, inquestionavelmente Dele. [sva significa ‘próprio’, e para significa ‘outro’.] Não há possibilidade de elas serem esposas de outros. Ainda assim, vemos que na parakiya-lila as gopis aparecem como sendo esposas de outros, mas isso é apenas uma convicção implícita criada por Yogamaya.
Há um significado secreto na declaração de Sri Jiva Gosvami, que, se trazido à luz, automaticamente dissipará todos os tipos de dúvidas. O reverênciado Sri Jiva Gosvami, o melhor seguidor de Srila Rupa e Sanatana Gosvamis, é o tattvacarya dos Gaudiya Vaisnavas. Além do mais, na Krsna-lila ele é uma manjari. Portanto, não há nenhuma verdade secreta que seja desconhecida por ele. Aqueles que não compreendem essas intenções esotéricas levantam argumentos aceitando e rejeitando as idéias dele apresentando suas próprias interpretações forjadas. De acordo com a visão de Sri Rupa-Sanatana, não há diferença entre os passatempos de parakiya e svakiya – eles são idênticos.” (Raga-vartma-candrika, p 95-96)]
Conselheiros Editorial: Sripad Madhava Maharaja e Sripad Brajanath dasa
Transcrição: Tulasi dasi
Digitação: Anita dasi
Revisão: Krsna-kamini dasi
Edição: Syamarani dasi
Edição em português: Ramananda Das