Certa vez havia um barbeiro que perambulava pelas ruas distribuindo convites. Antigamente, os barbeiros realizavam esta tarefa para várias famílias. Antes de casamentos ou festivais, eles costumavam sair e distribuir convites para todos, em troca disso recebiam algum dinheiro extra. Mas eles jamais saíam sem seus instrumentos, como navalha, tesoura e pente.
Durante seu percurso, um barbeiro entrou em uma floresta e se deparou com um leão descansando por ali. O leão não o atacou, pelo contrário, apenas levantou sua pata e a lambeu. A princípio, ele ficou apavorado, mas então pensou: “parece haver algo preso em sua pata e por isso ele não está me atacando.” Então, o barbeiro se aproximou um pouco mais e viu um espinho grande o bastante encravado causando grande sofrimento. Com a ajuda de seus instrumentos, o barbeiro manipulou um pouco o espinho e o removeu cuidadosamente. Um pouco de sangue começou a sair da ferida, então o barbeiro aplicou um antisséptico, enrolou a pata do leão em algumas folhas medicinais e partiu.
Três ou quatro anos se passaram. Então, certo dia, esse mesmo barbeiro foi preso por engano sob a acusação de ter cometido vários crimes bastante graves, inclusive o de homicídio. Seu caso foi levado ao rei, que disse: “há alguns dias capturamos um leão na floresta. Joguem o criminoso na jaula do leão. O leão o comerá e pronto. Não há outra punição para ele. Joguem-no lá!”
O barbeiro foi jogado na jaula do leão, que imediatamente se levantou rugindo. Mas assim que se aproximou do homem, começou a ronronar e se sentou. Este era o mesmo leão do qual o barbeiro havia removido o espinho, e mesmo após vários anos, ele o reconheceu e não o atacou. O rei disse: “Este animal feroz não está atacando o barbeiro? Como assim?” Então ele pensou: “agora, eu entendo. Por eu ter prendido por engano este homem, o leão não o matou. Se o animal não está executando este castigo, então eu também não devo puni-lo.” O rei soltou o homem, a quem demonstrou respeito e pediu perdão.
Mesmo no mundo animal, há muita gratidão, e Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī diz que a gratidão de Nityānanda Prabhu é igual a esta. Bastou um minuto para o barbeiro remover o espinho do leão e mesmo após anos, o animal ainda permanecia grato por isso. Esse animal tão feroz que mata inúmeros outros animais e pessoas, manteve-se grato por toda a sua vida, e vemos esta mesma qualidade de gratidão na vida de Nityānanda Prabhu.
No Śrī Caitanya-caritāmṛta, Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī dá um exemplo de como Nityānanda Prabhu, sendo o Próprio Bhagavān, é misericordioso com todos. Ele conta que certa vez ocorreria um festival com kīrtana ininterrupto durante todo o dia e noite. Vaisnavas que viviam nos arredores e mais longe foram convidados, e todos compareceram. Entre eles estava um associado eterno de Nityānanda Prabhu, Mīnaketana Rāmadāsa. Sua natureza era tal que sua misericórdia não era facilmente reconhecida, mas aqueles que conseguiam compreendê-lo eram capazes de vê-la. Geralmente, quando uma pessoa querida chega, oferecemos praṇāma. Mas ele agia de forma contrária, batia em uma pessoa com a flauta que sempre carregava e esta já sabia que se tratava de uma grande misericórdia. Sempre que ele colocava seus pés na cabeça de alguém, a pessoa já considerava que a partir daquele dia a sua vida seria muito afortunada. Às vezes, ele batia em alguém e dizia: “por onde você andou todos estes dias?” Mas aqueles que o entendiam sabiam que “Quem quer que tenha sido atingindo por ele hoje recebeu a misericórdia direta de Nityānanda Prabhu.” O kīrtana estava em andamento e quando Mīnaketana Rāmadāsa chegou, todos se levantaram, ofereceram praṇāma e lhe deram as boas-vindas. Ele subiu nos ombros de uma das pessoas presentes, bateu em um com sua flauta e esbofeteou outro nas costas. Lágrimas fluíam constantemente de seus olhos e ele sempre bradava: “Nityānanda Prabhu kī jaya!”
O pūjārī não era muito educado e quando Mīnaketana Rāmadāsa entrou, enquanto todos permaneciam de pé e ofereciam praṇāma, este pūjārī não se levantou e nem sequer falou com ele. Dando risadas, Mīnaketana Rāmadāsa disse: “acabamos de encontrar o segundo Romaharṣaṇa!”, 1 e depois ficou absorto em cantar as glórias de Nityānanda Prabhu. Todos faziam um kīrtana muito alto e assim que acabou, o irmão de Kavirāja Gosvāmī disse: “você está sempre cantando as glórias de Nityānanda Prabhu, mas porque você não canta as glórias de Caitanya Mahāprabhu em vez disso?” Ao ouvir isso, Mīnaketana Rāmadāsa entristeceu-se.
Aquele homem achava que havia alguma diferença entre Nityānanda Prabhu e Caitanya Mahāprabhu. Havia tantas histórias e glórias de Nityānanda Prabhu, e todas elas estavam relacionadas com Caitanya Mahāprabhu. Se alguém estiver cantando as glórias de Śrīmatī Rādhikā, ela também não está cantando as glórias de Kṛṣṇa? Rādhikā é a mais querida de todas por Kṛṣṇa e Seu serviço é o melhor de todos. Ao cantar as glórias de Rādhikā, você está automaticamente glorificando Kṛṣṇa. Similarmente, se alguém estiver descrevendo as glórias de Caitanya Mahāprabhu, ele também está glorificando Śrī Rādhā e Kṛṣṇa.
O irmão de Kaviraja Gosvami continuou: “como você pode cantar o tempo todo ‘Nityānanda, Nityānanda,’ e não glorificar Mahāprabhu? Sempre ‘Nityānanda, Nityānanda,’ mas ele se casou, enquanto Mahāprabhu recebeu sannyāsa, deixou Sua casa e família.”
Ao ouvir isso, Mīnaketana Rāmadāsa quebrou sua flauta e foi embora. Ele estava tão arrasado que quebrou seu bem mais precioso e partiu. Naquele momento, Kavirāja Gosvāmī pensou consigo mesmo: “certamente algo nefasto ocorrerá com meu irmão. Como poderia haver alguma auspiciosidade em sua vida depois disso?”
Gradualmente, tudo estava acabado para o seu irmão. O que queremos dizer com “acabado”? Sua bhakti desapareceu. Pela misericórdia dos santos conseguimos obter bhakti, mas se eles ficam descontentes, como o nosso interesse em bhakti pode permanecer? Não, isso não é possível. Ele perdeu tudo e se tornou ateu, então Kavirāja Gosvāmī pensou, “Eu não vou me associar com um ateísta. Eu não o considero mais meu irmão. Se alguém não for favorável à kṛṣṇa-bhakti, então o amigo não é um amigo, a mãe não é uma mãe, o pai não é um pai, o parente não é um parente. Não terei mais nenhum contato com ele.” Mais tarde naquela noite, às três ou quatro da manhã, ele decidiu ir embora e, com muito pesar, partiu de lá.
Ao chegar na vila de Jhamatpur, Kavirāja Gosvāmī sentou-se para descansar e pensou: “eu não posso ficar aqui. Para onde eu vou?” Enquanto pensava sobre sua situação, ele adormeceu. Então Nityānanda Prabhu apareceu para ele em um sonho. Em Sua mão ele portava um bastão dourado. Sua forma era muito grande e Sua tez era escura e refulgente. Ele usava um brinco em uma das orelhas e sua beleza era estonteante, tal como a de Baladeva em kṛṣṇa-līlā. Ele disse, “Por que está chorando? Por que está triste? Levante-se, levante-se! Vá para Vṛndāvana! E coloque os pés de Rūpa e Sanātana sobre sua cabeça. Vá! Você deixou o seu irmão por mim? Estou muito satisfeito com você. Um irmão de verdade é aquele que pode dar bhakti, um pai é aquele que pode dar instruções sobre bhakti e uma mãe é aquela que pode inspirar kṛṣṇa-bhakti. O pouco que Seu irmão me ofendeu fez com que você o deixasse para sempre? Estou muito satisfeito com você. Vá para Vṛndāvana. Lá você terá o darśana de Govinda, Madana-mohana e Gopīnātha. Receberá a misericórdia de Rūpa e Sanātana e também de toda Vṛndāvana-dhāma em si. Vá!”
Então Kavirāja Gosvāmī escreveu: “tudo o que fiz foi deixar meu irmão e por isso Nityānanda Prabhu me concedeu tamanha misericórdia! Por essa misericórdia, tive o darśana de Vṛndāvana-dhāma.”
Que tipo de darśana ele teve – como o nosso? Este é o tipo de darśana que ele teve: ele viu Kṛṣṇa levando as vacas para pastar, as gopīs procurando por Kṛṣṇa com olhos sedentos e a līlā de Śrī Rādhā e Kṛṣṇa. E qual é o significado da misericórdia de Rūpa e Sanātana? Através da misericórdia de Sanātana, Kavirāja Gosvāmī obteve sambandha-jñāna e conhecimento das escrituras, mas mesmo aquele que possui esse conhecimento, ainda pode não ter rasa. Pela misericórdia de Rūpa Gosvāmī, ele obteve o conhecimento de rasa e pôde escrever livros como Śrī Caitanya-caritāmṛta e Govinda-līlāmṛta, onde se fala muito a respeito de rasa. A misericórdia Rūpa Gosvāmī tornou isso tudo possível.
Neste mundo, mesmo um animal permanece em dívida por toda a sua vida com aquele que lhe remove um espinho. Da mesma forma, estamos em dívida com nosso guru e com os Vaiṣṇavas. Como podemos ser ingratos com aqueles que tentaram remover o espinho do apego material enraizado em nós e que tentaram nos seduzir para bebermos bhakti-rasa?
Devemos ser sempre gratos com tais gurus e Vaiṣṇavas. Se em algum momento gurudeva for um pouco ríspido conosco e depois nos tornarmos ingratos, pensando: “Ó, ele não gosta mais de mim,” isso seria causa de grande infortúnio. Sempre teremos uma dívida com gurudeva e com os Vaiṣṇavas e jamais seremos capazes de pagá-la. Aquele que não consegue entender esta declaração de Kṛṣṇadāsa Kavirāja está sob grande infortúnio, mas aquele que compreende isso jamais se esquecerá de sua dívida por toda a vida. Mesmo após morrer, ele não se esquece disso e no seu próximo nascimento ainda lembrará.
Essa gratidão é uma das principais qualidades do Próprio Bhagavān. Embora Nityānanda Prabhu seja o Próprio Bhagavān, Ele também fica em dívida da mesma maneira que Kṛṣṇa também fica em dívida com as gopīs:
na pāraye ’haṁ niravadya-saṁyujāṁ
sva-sādhu-kṛtyaṁ vibudhāyuṣāpi va˙
yā mābhajan durjara-geha-śṛṅkhalā˙
saṁvṛścya tad va˙ pratiyātu sādhunā
Śrīmad-Bhāgavatam (10.32.22)
Mesmo pelo tempo de uma vida longa como a dos semideuses eu seria incapaz de recompensá-los, pois vocês deixaram suas casas e famílias para Me servirem. Portanto, deixem suas próprias ações gloriosas serem sua compensação.
Similarmente, Nityānanda Prabhu diz: “ele se libertou dos grilhões do apego material e veio se ocupar em Meu serviço. Ele não se importa nada com a vida mundana. Como eu posso abandonar aqueles que deixaram suas famílias, dinheiro e posses para praticar bhajana? Jamais serei capaz.”
Kavirāja Gosvāmī também escreveu:
saṅkarṣaṇa˙ kāraṇa-toya-śāyī garbhoda-śāyī
ca payobdhi-śāyī
śeṣaś ca yasyāṁśa-kalā˙ sa nityā-nandākhya-rāma˙ śaraṇaṁ mamāstu
Śrī Caitanya-caritāmṛta (ādi-līlā 5.7)
Que Śrī Nityānanda Prabhu seja meu abrigo. Saṅkarṣaṇa, Śeṣanāga, Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu são Suas porções plenárias e porções de Suas porções plenárias.
Em Vaikuṇṭha, há diferentes seções no mesmo nível, e outras seções em níveis mais elevados. Encarnações como Nṛsiṁha, Kalki e Vāmana estão no mesmo nível em Vaikuṇṭha-dhāma. Elas compartilham o mesmo “andar”, mas possuem suas próprias câmaras especiais. O ponto mais baixo é Virajā, acima há Siddhaloka, também conhecida como a parte externa de Vaikuṇṭha. Aos inimigos mortos por Bhagavān são atribuídos tal destino. Siddhaloka também é para aqueles que cantam ahaṁ brahmāsmi, pensando que a jīva finalmente funde-se em Brahman. Mas as jīvas não perdem a sua individualidade. O fato de que eles se tornam um é uma grande mentira. Sim, eles se encontram, como devotos se encontram e compartilham hari-kathā. Assim como Kṛṣṇa se encontrou com as gopīs, gopas, Yaśodā e Nanda Bābā e como Rāmacandra se encontrou com Hanumān – este encontro é certo, mas encontrar-se e tornar-se um? Tal exemplo não se encontra em nenhum local. Encontro, há sim – mas permanecem individuais. A jiva jamais se torna Brahman. Muitos panditas e estudiosos renomados possuem esta teoria e milhares de pessoas ouvem suas palestras. Eles dizem que não há nada igual à kṛṣṇa-bhakti e que a bhakti das gopīs é a melhor de todas e todos aqueles que atingem uma devoção igual a das gopīs torna-se um com Brahman. Este tipo de hari-kathā é completamente inútil. Eles estão enganando as pessoas, portanto não devemos participar de nada que diga que nos tornaremos um com Rādhā-Kṛṣṇa.
Acima de Siddhaloka está Sadāśivaloka e acima disso há Nārāyaṇa-dhāma, onde os devotos liberados de quatro braços residem. Sālokya, sāmīpya, sārūpya and sārṣṭi – os devotos possuem estes quatro tipos de liberação e permanecem perto de Nārāyaṇa servindo-O em aiśvarya-bhāva, o modo da opulência. Aos arredores há milhões de câmaras especiais e nelas há Varāha, Nṛsiṁha, Kalki e todas as outras encarnações. Sempre que há necessidade, eles vêm a este mundo; do contrário, permanecem ali o tempo todo, aceitando o serviço de seus devotos. Acima deste há o mundo de Rāmacandra e acima há o de Kṛṣṇa, conhecido como Goloka. O termo Goloka pode trazer alguma confusão, então tentarei explicar um pouco.
Quando Indra estava realizando o abhiṣeka de Kṛṣṇa, ele trouxe Surabhi de lá. Então, a residência de Surabhi é Goloka, certo? Mas não pense que Indra a trouxe de Goloka Vṛndāvana. Neste brahmāṇḍa e em cada brahmāṇḍa, encontra-se Hariloka, a residência de Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu. Os semideuses não podem ter o darśana direto de Viṣṇu mas, às vezes, Brahmā, em sua meditação, recebe seu darśana e obtém o poder de criar e a força para proteger o mundo. Desta forma, cada brahmāṇḍa possui sua própria Goloka e também é chamada de Surabhiloka ou Śvetadvīpa. Indra pode ter viajado até lá e trazido Surabhi dizendo: “você é go-mātā, portanto, ore a Kṛṣṇa por mim.”
Portanto, Goloka e Goloka Vṛndāvana são diferentes. Da mesma forma, a Navadvīpa-dhāma situada no mundo espiritual também é conhecida como Śvetadvīpa, mas está separada da Śvetadvīpa incluída dentro deste brahmāṇḍa onde Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu reside.
A seção inferior de Goloka-dhāma, abaixo de Dvārakā, é onde há svakīya-bhāva. Os passatempos de Rādhā-Kṛṣṇa ocorrem ali, mas ali Rādhā-Kṛṣṇa são como extensões de Lakṣmī-Nārāyaṇa no modo da opulência. Este é o destino daqueles que executam o arcana de Rādhā-Kṛṣṇa por vaidhī-bhakti. Aqueles que executam arcana de Rādhā-Kṛṣṇa por vaidhi-bhakti combinada com sentimentos de rāgānugā vão para Mathurā ou Dvārakā.
E aqueles que tem “avidez” e seguem totalmente rāgānugā na sua pura forma vão para Goloka Vṛndāvana. Esse reino possui o formato de uma flor de lótus e o centro é a casa de Nanda. Os devotos plenamente absorvidos em rāgānugā-bhakti alcançam posições nos passatempos de Kṛṣṇa, seja O acompanhando enquanto pastoreia as vacas ou como amigas de Rādhikā. Esta é a mais alta realização.
Ali Kṛṣṇa é conhecido como Vṛndāvana-bihari, Govinda, Syamasundara e Gopinatha e Sua primeira extensão é Baladeva. O arado de Kṛṣṇa, a pena de pavão e todas as parafernálias, as parafernálias das gopis, Vṛndāvana-dhāma – tudo isso é manifestado por sandhini-śakti, e a personificação da potência é Baladeva Prabhu. A personificação de hlādinī-śakti é Rādhikā e Kṛṣṇa é o possuidor de cit-śakti. Estes três juntos são sac-cid-ānanda, a forma completa de Kṛṣṇa. Nem Rādhikā nem Baladeva estão separados dEle; juntos são um só.
Unicamente de Baladeva Prabhu é que todos os devotos eternamente perfeitos de Kṛṣṇa são manifestos. Quando Kṛṣṇa vai para Dvārakā, Ele se torna Vāsudeva, o filho de Vasudeva. E em Dvārakā, Baladeva também se sente como filho de Devakī, mas na sua identidade original ele é filho de Rohiṇī e seu pai é Nanda Bābā. Observe que ninguém pode realmente ser o pai de Baladeva, pois não há pais e filhos neste mundo, mas Nanda Bābā possui a identidade de ser seu pai. Nanda Bābā possui a forte identidade de ser o pai de Kṛṣṇa e Baladeva – convencionalmente, os eruditos mundanos não aceitam este ponto. Eles não entendem que independentemente de qual seja a identidade mais intensa do pai de Kṛṣṇa, esta pessoa em última análise é considerada seu pai. A maioria propõe que Kṛṣṇa é o filho de Vasudeva e poucos aceitam que Ele é realmente Nanda-nandana.
Dessa forma, Baladeva Prabhu é vaibhava-prakāsha de Kṛṣṇa e presta serviço a Kṛṣṇa todo o tempo. O serviço a Kṛṣṇa é tudo para ele, seja em Vṛndāvana, Mathurā ou Dvārakā. Quando vão para Mathurā ou Dvārakā assumem formas não-diferentes, tornam-se a primeira catur-vyūha: Vāsudeva, Saṇkarṣana, Pradyumna e Aniruddha. Depois há uma segunda catur-vyūha, e da raiz Saṅkarṣaṇa vem Mahā-Saṅkarṣaṇa. De Mahā-Saṅkarṣaṇa vem Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, de Kāraṇodakaśāyī surge Garbhodakaśāyī, e de Garbhodasayi vem Kṣīrodakaśāyī. Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu se expande em incontáveis formas como a testemunha nos corações de todas as entidades vivas, Paramātmā. Em nossos corações, como testemunha, está Baladeva em sua vyasti (expansão) como antaryāmī Kṣīrodakaśāyī. Kṣīra significa leite e assim como nossa mãe nos nutre através do leite, ele também nos sustenta e nos nutre.
Próximo a Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, estão Brahmā e Śaṇkara, e por seu desejo e potência, a criação e destruição dos universos material são possíveis. Assim como Śeṣanāga, possui milhões e milhões de cabeças e está sustentando milhões e milhões de universos em suas cabeças como se fossem sementes de mostrada e ao mesmo tempo assume a forma de leitos onde todos os três puruṣa-avatāras repousam. Há seis tipos de expansões de Baladeva Prabhu: da sua forma original em Vṛndāvana vem a raiz Saṅkarṣaṇa em Mathurā e Dvārakā, depois Mahā-Saṅkarṣaṇa em Vaikuṇṭha, Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu, Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu e finalmente Śeṣa. Quem conhece estas verdades profundas jamais precisará adentrar o ciclos de nascimentos e mortes.
O puruṣa-avatāra se chama puruṣa porque ele está relacionado à criação do mundo material. Ele entra em contato indiretamente como māyā para o propósito da criação e manutenção, mas ele permanece separado disso. Sim, ele está dentro de todas as almas, mas ao mesmo tempo, não está dentro de ninguém. Ele faz tudo, inspira os outros a fazer tudo, mas ao mesmo tempo não faz nada. Por isso é chamado de puruṣa-avatāra. Deste puruṣa-avatāra surgem os manvantara-avatāras, yuga-avatāras e muitas outras encarnações. Eles vem de Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu ou Garbhodakaśāyī Viṣṇu, que também podem ser chamados de avatārī, que indica que os avatāras surgem dEles.
Quando Kṛṣṇa vem a este mundo em qualquer uma de Suas formas, na forma do dhāma e associados eternos, Baladeva Prabhu certamente o acompanha. Antes de Kṛṣṇa descer para realizar seus passatempos em Vṛndāvana, Baladeva entra no coração de Devakī e no útero na forma de Saṅkarṣana; para então Kṛṣṇa se manifestar. Portanto, Baladeva vem primeiro na forma de dhāma e serve a Kṛṣṇa dessa forma.
Se alguém disser que Kṛṣṇa é uma encarnação de Kāraṇodakaśāyī e alguém disser que Ele é uma encarnação de Garbhodakaśāyī, isso causará uma confusão desnecessária. Em alguns lugares você encontrará tais descrições. Ou às vezes Kṛṣṇa é descrito como tendo nascido do cabelo de Nara-Nārāyaṇa – Keśa-avatāra, uma encarnação de Nara-Nārāyaṇa.
Podemos encontrar tais afirmações mas, na verdade:
ete cāṁśa-kalā˙ puṁsa˙ kṛṣṇas tu bhagavān svayam
Śrīmad-Bhāgavatam (1.3.28)
Todas as encarnações de Bhagavān são porções plenárias ou partes de porções plenárias de puruṣa-avatāras. Mas Kṛṣṇa é o Próprio Svayam Bhagavān.
Quando se diz o Próprio Kṛṣṇa é uma encarnação, é como se uma senhora idosa desse suas bênçãos ao primeiro-ministro dizendo: “Meu filho, que você um dia se torne um delegado de polícia.” Na cabeça dela, esta é a maior posição de todas. A senhora disse isso com amor, mas ela não compreende qual posição é a mais elevada. Similarmente, alguns dizem que Kṛṣṇa é uma encarnação de Garbhodakaśāyī ou Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu.
Quando Śrī Rāmacandra desceu, Baladeva veio como Lakṣmaṇa. Os passatempos de Rāmacandra são cheios de separação e auto-sacrifícios que fazem todos chorarem. Aparentemente sem nenhum motivo, ele abandonou Sita-devi não apenas uma, mas duas vezes. Lakṣmaṇa não queria que Rāma fosse para a floresta e, portanto, enquanto estavam exilados, ele disse a Rāma, “Eu não considero mais Mahārāja Daśaratha como nosso pai. Por ser excessivamente luxurioso, ele é controlado por uma mulher e sua inteligência diminuiu com a velhice. Eu deveria matá-lo! Olhe – alguém está vindo! Se for Bharata, também o matarei!”
Bharata estava indo para apaziguar Rāma, mas quando Lakṣmaṇa subiu em uma árvore e viu os exércitos, ficou muito zangado. Portando seu arco e flecha, foi em direção a eles. “Onde está indo?” Perguntou Rāma. “Com quem você lutará?” Lakṣmaṇa disse, “Bharata está vindo todo orgulhoso. Ele deseja eliminá-lo para que não haja mais nenhum obstáculo para se tornar rei! Portanto, estou indo agora e com uma flecha vou acabar com todos!”
Mas Rāma desconfiava que havia algum mal-entendido e contou uma estória a Lakṣmaṇa.
Certa vez, havia uma mulher que criou um mangusto com a finalidade de proteger sua casa das cobras. Todos os dias, ela colocava os filhos para dormir na cama e colocava o mangusto ali do lado. Um dia, enquanto estava do lado de fora, uma cobra veio com o desejo de morder as crianças. O mangusto travou uma grande briga com a cobra e com grande dificuldade ele a venceu e conseguiu proteger as crianças. Então, satisfeito consigo mesmo, com um pouco de sangue em sua boca por causa da luta, permaneceu do lado de fora da casa a espera de sua dona. A mulher voltou, e o mangusto ficou na frente dela dizendo: “ku-ku-ku”. A mulher disse: “de onde esse sangue saiu? Você atacou as crianças e as machucou?” Rapidamente, ela pegou um pedaço de pau e o matou. Então entrou na casa e viu as crianças brincando e a cobra morta ali por perto. Ao perceber o seu erro, ela se lamentou.
Rama disse a Lakṣmaṇa, “Sua condição é exatamente essa. Primeiro, espere e veja; deixe Bharata vir. Até mesmo a própria Terra pode ser egoísta, mas Bharata jamais é egoísta. Não há nada neste mundo com um emblema de amor igual ao de Bharata. Então deixe que ele venha.”
Assim que Bharata chegou, ele caiu aos pés de Rama e começou a apaziguá-lo. Ao vê-lo oferecendo praṇāma a Rāma, Lakṣmaṇa percebeu que havia se enganado. Quando Bharata estava partindo, Lakṣmaṇa se aproximou dele a sós e caiu aos seus pés. Conforme Bharata o levantava e o abraçava, Lakṣmaṇa dizia, “Eu sou um grande ofensor aos seus pés. Fui incapaz de ser afetuoso com você, de amá-lo”, e começou a chorar implacavelmente.
Em outro momento, durante o período em que viviam na floresta, Rāma ordenou a Lakṣmaṇa que trouxesse madeira para quando Sītā desejasse entrar no fogo. Lakṣmaṇa ficou muito zangado, mas Rāma disse, “O serviço prestado na floresta é o mais elevado. Você é sempre um servo.” Lakṣmaṇa aceitou a ordem de Rāma, mas pensou: “Estou cometendo um erro ao seguir sua ordem.” Então ele trouxe a madeira, e Sītā-devī entrou no fogo. Claro que isto foi um pretexto para que a verdadeira Sītā saísse e para que a falsa desaparecesse, mas ainda assim, no final, Lakṣmaṇa fez o voto de que: “Eu jamais virei novamente como seu irmão caçula, virei somente como seu irmão mais velho. Então as coisas serão diferentes, e você não poderá me tratar assim.”
Por isso, nos passatempos de Kṛṣṇa ele veio como Baladeva e nos passatempos de Mahāprabhu ele veio como Nityānanda Prabhu, o irmão mais velho em ambos os casos. Muitos passatempos só poderiam ser realizados como um irmão mais velho, pois a partir da posição de um irmão caçula não seria possível. Se Nityānanda Prabhu não estivesse presente, muitos passatempos de Mahāprabhu teriam permanecido ocultos. Ele era servo de Mahāprabhu, Seu irmão e também Seu guru. Como ele era o guru de Mahāprabhu? O guru de Mahāprabhu era Īśvara Purī, o guru de Īśvara Purī era Mādhavendra Purī e o guru de Mādhavendra Purī era Lakṣmīpati Tīrtha. Nityānanda Prabhu também era discípulo de Lakṣmīpati Tīrtha, mas devido ao fato de seu guru ter partido deste mundo quando ainda era jovem, Nityānanda Prabhu recebeu quase todas as suas instruções de Mādhavendra Purī. Quem quer que dê instruções sobre bhakti é o representante de Bhagavān e, portanto, Nityānanda Prabhu sempre considerou Mādhavendra Purī como seu principal guru. Quando Mādhavendra Purī se tornou o seu guru, Īśvara Puri tornou-se seu irmão espiritual e uma vez que Nityānanda Prabhu estava antes no nível do guru de Mahāprabhu, Ele o respeitava dessa forma.
Embora Nityānanda Prabhu tivesse três relações com Mahāprabhu – de servo, irmão e guru – Nityānanda Prabhu sempre se considerou um servo. Quando Mahāprabhu estava absorto em kīrtana, geralmente era Nityānanda Prabhu quem O protegia. Quando Mahāprabhu estava dançando na sua forma usual, Nityānanda Mahāprabhu O pegava para Sua própria proteção e somente quando Mahāprabhu ficava absorto em rādhā-bhāva é que Nityānanda não podia tocá-lo. Nityānanda Prabhu se envolvia em todos os tipos de serviços, sempre seguindo a ordem de Mahāprabhu. Mahāprabhu dizia, “Por favor, vá até a Bengala! Os brāhmaṇas de lá estão muito orgulhosos, eles não realizam bhajana de Bhagavān. Pregue algo para essa classe de brāhmaṇa, mas pregue especialmente para aqueles que são considerados caídos na sociedade, pois não estão realmente caídos.Toda e qualquer alma tem o direito de executar bhagavad-bhajana. Por favor, vá.” Então Nityānanda Prabhu partiu, pregou de vila em vila e fez discípulos em todos os lugares.
Certa vez, Nityānanda Prabhu passava pela estrada com um grupo de pregação, quando chegaram a uma vila onde vivia um rico fazendeiro chamado Rāmacandra Khān. Nityānanda Prabhu entrou casa do homem e se sentou no altar de durgā-manḍapa. Antigamente na Bengala, as pessoas ricas tinham essas maṇḍapas (dosséis levantados para fins cerimoniais) para Caṇḍī ou Durgā. Ele pensava: “a noite está chegando, para onde iremos agora? Amanhã de manhã continuaremos nossa jornada.”
Enquanto isso, Rāmacandra Khān enviou um dos seus servos para falar com Nityānanda Prabhu. Sarcasticamente, o homem disse, “Não há espaço suficiente para vocês aqui na casa, mas temos uma gosālā que é um lugar muito puro devido à presença de vacas e esterco de vaca. Os santos e sādhus devem ficar lá, então vão para o gosālā.”
Nityānanda Prabhu, ao ouvir isto, ficou zangado e disse: “sim, você está certo. Este lugar é impróprio para mim. É adequado para assassinos de vacas comedores de carne.” Após dizer isso, Ele partiu daquele lugar. No dia seguinte, os muçulmanos atacaram e sequestraram Rāmacandra Khān e toda a sua família. Também mataram uma vaca, cozinharam a carne e a comeram no mesmo local. Toda a vila foi destruída.
Nityānanda Prabhu possui dois aspectos, tal como uma mãe leoa. Com as suas crias, a leoa é muito gentil, mas com outros, ela é muito perigosa. Da mesma forma, Nityānanda Prabhu é supremamente misericordioso com os devotos e ele é o subjugador dos ateus. Assim como Baladeva Prabhu, portando um arado e uma massa, matou o gorila Dvivida e outros inimigos de Kṛṣṇa, Nityānanda Prabhu subjuga os ateus e aumenta gaura-prema nos devotos.
Jamais devemos considerar haver alguma diferença entre Caitanya Mahāprabhu e Nityānanda Prabhu, trata-se apenas de uma diferença corpórea. Nityānanda Prabhu é guru-tattva completo e sempre onde houver um guru, ele estará presente. Onde quer que as atividades do guru sejam executadas, a mensagem de Kṛṣṇa dada às jīvas é de que somente por bhakti haverá real auspiciosidade. Isso tudo é manifestado por Nityānanda Prabhu. Portanto, neste dia oferecemos praṇāma a Ele, que é o mais misericordioso e o completo guru-tattva, e oramos para que seja sempre misericordioso conosco.
1 Romaharṣaṇa foi uma personalidade que ofendeu Baladeva Prabhu em um sacrifício de fogo realizado em Naimisaraṇya, como descrito no Capítulo 78 do Décimo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam.
Tradução: Madhukari Radhika devi dasi
Revisão: Ramananda das (Hari Cavalcante)
Fonte: capítulo 8 do Sri Prabandhavali de Srila Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja
Foto: Nathji Gopal das